CONCEITO DE INSUMOS - MINISTROS DO STJ DIVERGEM SOBRE LITÍGIO TRIBUTÁRIO DE R$ 50 BILHÕES
Fonte: Jota / www.jota.uol.com.br
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"Três votos proferidos e três teses diferentes sobre o conceito de insumo para aproveitamento de créditos do PIS e da Cofins. Este é o cenário atual do julgamento em andamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que visa resolver um conflito bilionário entre a Receita Federal e as empresas que recolhem as contribuições sociais pelo regime não cumulativo.
Na sessão desta quarta-feira (11/05), a Corte retomou julgamento do recurso repetitivo (REsp 1.221.170/PR), iniciado em 23 de setembro de 2015. A proclamação do resultado, porém, foi adiado com o pedido de vista do ministro Benedito Gonçalves.
O ministro Og Fernandes, que havia pedido vista no ano passado, concordou com a tese da Fazenda Nacional no sentido de que só geraria créditos de PIS/Cofins os gastos com insumos que sofrem alterações ou desgaste em função do contato com o produto em fabricação. O ministro Mauro Campbell Marques votou em seguida, defendendo o critério da essencialidade da despesa para atividade do contribuinte.
Ambos os votos divergem da posição do relator do caso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Em setembro, o magistrado defendeu que “deve ser considerado como insumo para o PIS e Cofins todas as despesas realizadas na aquisição de bens e serviços necessários ao exercício da atividade empresarial, direta ou indiretamente”
Em tempos de crise econômica, o resultado do julgamento é mais do que relevante: uma vitória às empresas no processo acarretaria perda de arrecadação anual na casa dos R$ 50 bilhões. A cifra consta no relatório “Riscos Fiscais”, da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016.
O recurso da Anhembi Alimentos, autor do recurso especial, foi o primeiro item da pauta de julgamentos da 1ª Seção, sendo colocado na frente das sustentações orais. De acordo com o presidente do colegiado, ministro Herman Benjamin, a alteração foi feita pela “grande complexidade jurídica” do caso, e pelo fato de ser o processo em tramitação na seção com maior repercussão em termos financeiros.
Insumo em contato com o produto
O julgamento de hoje, que durou duas horas, foi iniciada com o voto-vista do ministro Og Fernandes, que se posicionou por um creditamento restritivo às companhias. Ele entendeu pela legalidade das Instruções Normativas 247/02 e 404/04, que regulamentaram o conceito de insumo para o PIS e a Cofins.
De acordo com as normas, podem ser consideradas insumos as matérias primas, embalagens ou outros bens que sofram alterações ou desgaste em função do contato com o produto em fabricação, desde que essas mercadorias não estejam no ativo imobilizado da companhia. No caso das prestadoras de serviço, são insumos os bens ou serviços aplicados ou consumidos durante a prestação de serviço.
O ministro também dedicou parte de seu voto para descrever que o conceito de insumo para PIS e Cofins deve ser semelhante ao conceito aplicado pela legislação do IPI e do ICMS.
Og também foi buscar a justificativa para edição da Lei 10.833/03 para embasar seu voto. De acordo com o ministro, a Medida Provisória 135 – posteriormente convertida na lei – diz que “a instituição da Cofins não cumulativa visa corrigir distorções relevantes decorrentes da cobrança cumulativa do tributo, como por exemplo a indução a uma verticalização artificial das empresas em detrimento da distribuição da produção por um número maior de empresas mais eficientes e em particular empresas de micro e pequeno porte”. Tudo isso, porém, “sem pôr em risco as contas públicas”.
Para ele, desta forma, as instruções normativas são regulares, já que não houve intenção, pelo legislador, de uma “ampla desoneração fiscal”. Ele destacou que cabe ao Judiciário interpretar as normas, e não atuar como “legislador positivo”.
Por fim, Og citou a situação política e econômica do país para embasar seu voto. Ele lembrou que o Pis e a Cofins são voltados ao financiamento da seguridade social, e, consequentemente, o seguro desemprego. “Este é um momento em que o Estado mais se vale desse recurso, porque aumenta o desemprego”.
Pelo fato de o recurso ter sido indicado como repetitivo, Og propôs que, caso seu posicionamento seja vencedor, sejam fixadas duas teses.
A primeira delas é a de que “o conceito de insumos para fim de incidências das Leis 10.637 e 10.833 compreendem as matérias primas, os produtos intermediários, material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram alterações, tais como os desgastes, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam incluídos no ativo imobilizado“. O texto reproduz quase que na íntegra trecho das Instruções Normativas 247 e 404.
A segunda tese seria a de que “as instruções normativas 247 e 404 apenas explicitam o conceito de insumos previsto tanto na Lei 10.637 quanto na 10.833, sem qualquer escopo restritivo dessas normas legais“.
Tudo que entra na produção
Após o voto-vista do ministro Og, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho defendeu novamente seu ponto de vista. Para o relator do caso, deve-se, acima de tudo, preservar o princípio da não cumulatividade no processo.
Maia Filho expôs novamente o ponto de vista de que “tudo que entra na produção do produto é insumo”. Como exemplo ele afirmou que, em um bolo, deve ser considerado insumo não apenas o ovo, a farinha e o açúcar, mas também o calor do forno e a perícia da pessoa que produz o doce.
Para ele, “hipertributar” é sempre a solução mais fácil, mas nem sempre o mecanismo está correto.
Essencialidade
O voto do ministro Mauro Campbell Marques, terceiro a se posicionar, também foi favorável às empresas, porém em uma extensão menor em relação ao ministro Maia Filho. Para o magistrado, as companhias só poderiam se creditar pelos itens essenciais ao seu processo produtivo ou prestação de serviço.
O magistrado iniciou seu voto criticado a “importação” do conceito de insumo do IPI ao PIS e à Cofins, já que tratam-se de tributos de natureza distinta. Para ele, as instruções normativas “não poderiam simplesmente reproduzir o conceito de insumo para fins IPI, tributo cuja hipótese de incidência é a produção de bens, e que, portanto, pode ter o vocábulo insumo limitado àqueles itens que entram para o contato direto com o produto final”.
Em relação às diferenças entre o IPI e o PIS/Cofins, Marques disse que a legislação do primeiro não considera insumo qualquer tipo de prestação de serviço, enquanto as Leis 10.637 e 10.833 permitem o creditamento sobre “bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda”.
Marques afirmou ainda que as instruções normativas e o conceito de insumo contido nas instruções normativas criam obstáculos à sistemática da não cumulatividade. Isso porque as Leis 10.637 e 10.833, ao instituírem o regime não cumulativo aumentaram as alíquotas do Pis e da Cofins, mas por outro lado permitiram o creditamento. A restrição à tomada de crédito, desta forma, desequilibraria a balança.
Com as leis que instituiram o regime não cumulativo de recolhimento, as as alíquotas do PIS e e da Cofins foram elevadas de 0,65% para 1,6%, e de 3% para 7,6%, respectivamente.
Marques sugeriu a fixação de três teses. A primeira delas é a de que é insumo, para Pis e Cofins, “o bem ou serviço que tenha sido adquirido para ser efetivamente utilizado na prestação do serviço ou na produção ou para viabilizá-los, com pertinência no processo produtivo“.
A segunda descreve que é necessário que “a produção ou prestação de serviço dependa daquela aquisição“, demonstrando a essencialidade. E em terceiro lugar, que “não se faz necessário o consumo do bem ou a prestação de serviço em contato direto com o produto“.
No caso concreto, ele aceitou o creditamento em relação a itens como água, combustíveis e materiais de limpeza e de exames laboratoriais, devendo o processo retomar à 2ª instância para análise da essencialidade dos bens. Não foram aceitos, por outro lado, gastos com veículos, seguros de viagens, comissões de venda a representantes, promoções, propagandas e telefone.
Em relação aos itens não admitidos, Marques considerou que os bens não são essenciais à companhia, e não importam na perda de qualidade do produto final por ela produzido.
Tese “ampla e frouxa”
Após o voto do ministro Mauro Campbell Marques, o presidente da seção, ministro Herman Benjamin, afirmou que dois magistrados – Regina Helena Costa e Benedito Gonçalves – haviam expressado desejo de pedir vista, mas que, pelo critério de antiguidade, deferiria o pedido a Gonçalves. Benjamin não vota no caso concreto, mas fez algumas considerações sobre a ação.
O magistrado salientou que as turmas de direito público do tribunal estão atualmente divididas quando o assunto é insumos para Pis e Cofins. Enquanto a 1ª Turma profere entendimento semelhante ao do ministro Og Fernandes, a 2ª Turma tem se guiado pelo critério da essencialidade, conforme expressou o ministro Mauro Campbell Marques.
Benjamin fez duras críticas ao posicionamento da essencialidade, e considerou que os critérios elencados por Marques são “amplos e frouxos”.
Segundo o presidente, que afirmou que tem votado de acordo com o entendimento apresentado pelo ministro Og, caso a maioria dos ministros opte por essa vertente, caberá ao Judiciário dizer o que é e o que não é essencial para cada empresa.
“Vassoura, espanador ou o pano de chão entram?”, questionou.
Em resposta, Marques afirmou que há uma divergência parcial entre ele e Maia Filho. “Penso que as colocações que visam desautorizar a tese que defendo não merecem considerações de minha parte”, completou o magistrado.
Pouco antes do término do julgamento, a representante da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) questionou se, frente ao posicionamento de Marques, seria o caso de desafetar o recurso como repetitivo. O ministro Benjamin, porém, disse que o assunto será debatido ao final do processo."