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SIGILO BANCÁRIO: SAIBA O QUE AINDA RESTOU!

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da Lei Complementar (LC) nº 105/2001 e outras leis e decretos ligados a essa norma, que disciplinaram o sigilo das operações de instituições financeiras. O centro do debate é o conteúdo dos arts. 5o e 6o desta LC.

O primeiro (art. 5o) autoriza o Poder Executivo a disciplinar, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços. Trata-se da base legal de suporte da Instrução Normativa RFB nº 1.571/2015, que instituiu a chamada e-Financeira (veja informações em nosso site, clicando aqui).

Já o segundo (art. 6o) permite que as autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios examinem essas informações quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Em que pese não tenha sido expressamente previsto em nossa Constituição Federal (CF/88), o direito ao sigilo bancário sempre foi admitido pela doutrina e jurisprudência com suporte nas garantias fundamentais da inviolabilidade da intimidade e da vida privada, e/ou do sigilo da correspondência e das comunicações (CF/88, art. 5o, incs. X e XII, respectivamente).

Por esta razão, em 2010, ao apreciar o Recurso Extraordinário (RE) n. 389.808, o STF pronunciou que a quebra do sigilo de dados bancários, por se tratar de exceção à regra, deveria ser submetida ao crivo do Poder Judiciário, não podendo ser realizada pela própria Receita Federal, por ser parte na relação jurídico-tributária.

Apesar desse precedente, pendiam de análise as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN’s) nºs 2.859, 2.386, 2.390 e 2.397, bem como o Recurso Extraordinário nº 601.314, com repercussão geral reconhecida, cujos julgamentos foram recentemente concluídos.

A reversão do entendimento anterior no julgamento dessas ações não chega a ser uma surpresa. Da mesma forma que a Constituição reconhece o direito ao sigilo, faculta à administração tributária identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes (CF/88, art. 145, § 1º).

Por outro lado, o acesso das autoridades fiscais aos dados financeiros tem se apresentado como tendência mundial, não só com o objetivo de combate à sonegação, mas também aos crimes de lavagem de dinheiro, ao narcotráfico, ao terrorismo e outros, sendo que o Brasil inclusive já assinou alguns atos internacionais se comprometendo a trocar esse tipo de informação, a exemplo do acordo com os Estados Unidos para a Melhoria da Observância Tributária Internacional e Implementação do FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act), promulgado pelo Decreto nº 8.506/2015, e da Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 105/2016.

No entanto, a leitura atenta do que foi decidido pelo STF deixa claro que o sigilo bancário permanece como regra. É importante que os contribuintes tenham em mente que o sigilo está mantido, apesar de mitigado. Em outras palavras, não é permitido ao fisco o livre e irrestrito acesso às informações financeiras dos contribuintes, fazendo-se imperiosa a observância de determinados critérios.

As ADIN’s julgadas conferiram interpretação conforme ao art. 6o, da LC nº 105/2001. Dessa forma, além da necessidade da existência prévia de processo administrativo ou procedimento fiscal em curso onde estejam garantidos o direito ao contraditório e à ampla defesa, e da pertinência e imprescindibilidade do exame das informações financeiras do contribuinte no âmbito desses procedimentos, deverão serem respeitadas, no mínimo, as seguintes garantias: a) notificação do contribuinte quanto à instauração do processo e a todos os demais atos; b) sujeição do pedido de acesso a um superior hierárquico do requerente; c) existência de sistemas eletrônicos de segurança que sejam certificados e com registro de acesso, d) estabelecimento de mecanismos efetivos de apuração e correção de desvios.

Com isso em mente, além da verificação em cada caso concreto do respeito às garantias acima listadas, devem os contribuintes permanecerem alertas para dois pontos importantes.

Primeiro, se a quebra do sigilo bancário encontra respaldo em algumas das hipóteses previstas no Decreto nº 3.724/2001, em especial em seu art. 3o, que elenca os casos em que o exame das informações financeiras são consideradas indispensáveis. Em relação aos Estados, devem verificar se existem normas semelhantes a esta, pois a omissão regulamentar nessa direção implicará na impossibilidade de quebra e de uso das informações protegidas pelo sigilo.

Segundo, que fora dessas hipóteses, a quebra do sigilo bancário continuará sendo ilegítima e sujeita a questionamento no âmbito do Poder Judiciário; porém, se ao longo da fiscalização o contribuinte expressamente apresentar as informações financeiras solicitadas pelas autoridades ou de alguma forma consentir que estas delas se utilizem ou tenham acesso, não serão esses atos considerados violação ao dever de sigilo.

Por fim, pertinente mencionar que no julgamento do RE nº 601.314, ao considerar válida a Lei nº 10.174/2001, que autorizou a utilização dos dados da CPMF para fins de formalização de lançamentos tributários, o STF firmou a tese de que as normas referentes à quebra de sigilo bancário dizem respeito a critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliando os poderes de investigação das autoridades administrativas e que, por possuírem essa natureza, podem ser aplicadas a fatos geradores ocorridos anteriormente à sua publicação.

Como é próprio do controle concentrado de constitucionalidade e dos recursos com repercussão geral reconhecida, as decisões aqui comentadas têm eficácia contra todos e efeitos vinculantes em relação ao Poder Judiciário, de sorte que, de agora em diante, eventual discussão desse tema como matéria defesa, para que tenha alguma possibilidade de êxito, deverá estar lastreada em análise técnica criteriosa, atenta as peculiaridades de cada caso concreto.


Palavras-chave: sigilo, sigilo bancário

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