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REGULARIZAÇÃO DE ATIVOS NO EXTERIOR: OPORTUNIDADE OU DOR DE CABEÇA?

Avanços e retrocessos, crises e turbulências políticas e econômicas, insegurança jurídica; as mais variadas razões. O fato é que, ao longo dos anos, muitos contribuintes brasileiros foram levados a proteger seu patrimônio mantendo bens, recursos ou outros ativos no exterior.

Nesse intuito, sonegação fiscal, falsificação e uso de documentos falsos, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e principalmente evasão de divisas, são crimes que podem ter ficado pelo caminho, e que tiram a paz daqueles que trabalharam licitamente para angariar seu patrimônio.

Por outro lado, o combate à corrupção, narcotráfico, terrorismo e outros crimes graves estão empurrando os principais países do mundo, inclusive muitos dos taxados como ‘paraísos fiscais’, a uma nova fase de transparência e troca de informações.

O Brasil se insere nesse contexto, tendo aderido, através do Decreto nº 8.506/2015, ao FACTA (Foreign Account Tax Compliance Act), acordo com os Estados Unidos para a Melhoria da Observância Tributária Internacional, bem como, através do Decreto legislativo nº 105/2016, à Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária, com o qual terá acesso a modelos de intercâmbio automático de informações de quase uma centena de países.

Inegável, portanto, o aumento do poder de fiscalização dos órgãos federais a respeito desses ativos no exterior.

Esses fatores, somados à atual crise fiscal, a escalada do dólar, necessidade de elevar a arrecadação e de atrair capitais, levou à promulgação da Lei nº 13.254/2016, que dispõe sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País.

A lei foi regulamentada pela Instrução Normativa RFB nº 1.627/2016, que disciplinou a Declaração de Regularização Cambial e Tributária (Dercat), cujo prazo para apresentação iniciou no último dia 04/04/2016 e encerrar-se-á no próximo dia 31/10/2016. Já o Ato Declaratório Interpretativo nº 05/2016 determinou que a intepretação de suas normas deve ser feita conforme o “Decart – Perguntas e Respostas 1.0”, publicado na página da RFB na internet (clique aqui).

A Decart abrange os bens e direitos existentes ou consumidos até 31/12/2014 e deve ser acompanhada do pagamento do imposto de renda, a título de ganho de capital, no montante de 15% sobre o seu valor nesta data, acrescido de 15%, a título de multa. No mesmo prazo para a sua apresentação deve ser regularizada a declaração do imposto de renda do ano-calendário de 2015, esta apenas com a incidência do imposto e dos juros sobre os rendimentos auferidos no período (sem incidência da multa). Valores acima de U$ 100.000,00 (cem mil dólares) devem ser declarados tanto à Receita Federal quanto ao Banco Central do Brasil.

Dentre as vantagens na adesão ao programa, é possível se destacar, entre outras:

(a) a fixação do dólar para fins de cálculo do imposto de renda e multa sobre o valor dos bens pela cotação vigente em 31/12/2014 (R$ 2,6562, conforme Circular BACEN nº 3.787/2016);

(b) a anistia dos crimes: I – contra ordem tributária previstos na Lei 8.137/90; II – de sonegação de que trata a Lei 4.729/65; III – de sonegação de contribuição previdenciária, previsto no art. 337-A, do Código Penal; IV – de falsificação de documento público; documento particular, de omitir declaração e uso de documento falso, previstos nos arts. 297; 298; 299 e 304, do Código Penal; VI – contra o sistema financeiro, disciplinados na Lei 7.492/86; e VII – de “lavagem” ou ocultação de bens, constantes na Lei 9.613/1998;

(c) garantia de sigilo sobre as informações prestadas e impossibilidade de sua aplicação como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal ou para fundamentar, direta ou indiretamente, qualquer procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial em relação aos ativos regularizados;

(d) inversão do ônus da prova quanto à origem lícita dos recursos, devendo a Receita Federal demonstrar que as informações prestadas a respeito são falsas, não havendo obrigatoriedade de comprovação pelo contribuinte;

(e) a possibilidade, a critério do optante, de manter no exterior ou repatriar os ativos regularizados, podendo deles se utilizar da forma que lhes for mais conveniente, sem o risco de sofrer autuações fiscais.

Sem exaurir as hipóteses e tampouco entrar no mérito e questionamento de algumas polêmicas existentes, cabe ponderar alguns aspectos negativos, a saber:

(a) necessidade de incluir na declaração os valores existentes e já consumidos anteriormente a 31/12/2014, conforme previsto no Parecer PGFN/CAT nº 1.035/2016;

(b) vedação da adesão para quem já tenha sido condenado pelos crimes apontados no item ‘b’, supra;

(c) inexistência de critérios claros acerca da forma de avaliação dos imóveis e bens intangíveis no exterior e tampouco das pessoas legitimadas realizar a avaliação;

(d) necessidade de manter, pelo prazo de 05 (cinco) anos a contar de 01/11/2016, os documentos relativos aos bens declarados (extratos bancários, contratos de compra e venda, recibos, etc.), o que dificulta sobremaneira a regularização de ativos já consumidos em anos anteriores;

(e) insegurança jurídica quanto à constitucionalidade do programa, na medida em que está sendo questionado no STF através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.496 e afora as razões lá discutidas é apontado por alguns tributaristas como ilegítimo por tributar o total do patrimônio existente ou consumido e não os rendimentos obtidos.

Apesar disso, avalia-se que o regime especial aqui debatido, no geral, traduz-se em uma medida salutar, de caráter opcional, que permite aos interessados regularizar seus recursos mantidos no exterior. Não se trata de uma anistia ampla e incondicional. Separa o “joio do trigo”, pois apenas os recursos de natureza lícita podem ser beneficiados. É uma conveniência antes de o fisco brasileiro começar a se valer dos acordos internacionais firmados para investigar as operações e patrimônios não declarados. Será uma oportunidade aproveitada ou uma dor de cabeça? Paga-se, para não ver; ou não se paga, para ver!

 

Fonte: Eberhardt, Carrascoza & Advogados Associados. Advocacia empresarial, atuante nas áreas de direito tributário, penal tributário, societário, cível e trabalhista.


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