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A política nacional de preços mínimos de frete e suas distorções

 

Dentre as diversas providências adotadas pelo governo federal para atender ao pleito dos transportadores de carga, e por fim à greve que parou o país no último mês de maio, encontra-se a controvertida Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, instituída inicialmente pela Medida Provisória nº 832/2018, posteriormente convertida na Lei nº 13.703/2018.

Com a finalidade de promover condições mínimas para a realização de fretes no território nacional, de forma a proporcionar adequada retribuição ao serviço prestado, a política intervencionista entrou em vigor no último dia 20/07/2018.

Indo direto ao ponto, o § 1º do art. 4º, c/c art. 5º, da lei, estabelecem que cabe à ANTT definir e divulgar os pisos, conforme certos parâmetros.

O § 2º do mesmo art. 4º estabelece que “É expressamente vedada a celebração de qualquer acordo ou convenção, individual ou coletivamente, ou mesmo por qualquer entidade ou representação de qualquer natureza, em condições que representem a prática de fretes em valores inferiores aos pisos mínimos estabelecidos na forma desta Lei.”

Já o § 4º do art. 5º, estabelece que “Os pisos mínimos definidos na norma a que se refere o caput deste artigo têm natureza vinculativa e sua não observância, a partir do dia 20 de julho de 2018, sujeitará o infrator a indenizar o transportador em valor equivalente a 2 (duas) vezes a diferença entre o valor pago e o que seria devido, sendo anistiadas as indenizações decorrentes de infrações ocorridas entre 30 de maio de 2018 e 19 de julho de 2018.”

Por sua vez, o § 6º deste mesmo art. 5º estabelece que cabe a ANTT aplicar as punições citadas no parágrafo anterior.

Através da Resolução nº 5.820/2018 (clique aqui) a ANTT divulgou a tabela de frete mínimo que está atualmente vigente (clique aqui).

Nesta resolução, o § único do art. 3º-A, estabelece que quando for constatada a não observância do valor mínimo, a ANTT notificará os contratantes, subcontratantes e os transportadores identificados no documento de transporte.

Notem, porém, que não se trata de uma multa, cobrada e devida pelos particulares para a ANTT, mas sim de uma indenização, devida pelo contratante do serviço de transporte ao transportador.

A própria ANTT admite isso na notícia em que divulgou que a Resolução acima citada ainda está vigente, onde afirmou que: “O descumprimento dos valores previstos de preços mínimos de frete, quando da contratação do transportador rodoviário de cargas, sujeita o infrator a indenizar o transportador em valor equivalente a 2 (duas) vezes a diferença entre o valor pago e o que seria devido, em caso de litígios no âmbito do Poder Judiciário.

A despeito disso, a ANTT está exercendo o seu dever de fiscalizar, e discutindo em audiência pública possíveis medidas adicionais para garantir o cumprimento da política de frete mínimo (clique aqui).

Deste forma, em resumo, TEM-SE QUE:

 

1) desde 20/07/2018, todo frete contratado está sujeito a observar, de forma obrigatória, a política de preços mínimos estabelecida pela legislação vigente;

2) a inobservância desse piso sujeitará o contratante do frete a indenizar o prestador do serviço em valor equivalente a duas vezes a diferença entre o valor pago/cobrado e o valor estabelecido como piso;

3) ao nosso ver, essa “sanção” não se trata de uma multa administrativa, cujo valor possa ser “lançado” e cobrado pela ANTT, mas sim de uma indenização, que a despeito de ser fiscalizada pela ANTT, para sua cobrança demandaria de uma ação judicial por parte do prestador de serviço de frete prejudicado;

4) em virtude dessa situação, a ANTT está estudando medidas adicionais para fazer cumprir a política de fretes mínimos.

 

Sem entrar ainda no mérito da legitimidade dessa política, um exame crítico de sua disciplina, deixa em evidência pontos falhos, que poderão gerar distorções em sua aplicação, e piorar ainda mais o conturbado ambiente empresarial e a própria concorrência entre os transportadores de carga.

Ocorre que, em muitas ocasiões práticas que se tem verificado, a fixação de preços de frete abaixo da tabela divulgada tem partido dos próprios transportadores de carga, que em procedimentos de cotações ou tomada de preços por parte das empresas contratantes, oferecem, por conta própria, valores inferiores aos nela previstos.

Fica então a indagação, para fins de reflexão: o contratante do frete, nestas circunstâncias, estaria praticando um ato ilícito, sujeito à indenização (CC/2002, arts. 186, 187 e 927)?

Ao que parece, nessa hipotética situação, quem está dando causa ao descumprimento da legislação é o próprio transportador, e não a empresa tomadora dos serviços.

Uma demanda judicial ajuizada para pleitear a indenização prevista em lei, neste contexto fático, soaria má-fé, e muito provavelmente estaria fadada ao fracasso. Não se pode responsabilizar terceiros de boa-fé, princípio central de nossa ordem jurídica (CC/2002, art. 422), que proíbe o "venire contra factum proprium", pelo qual a ninguém é dado beneficiar-se de sua própria torpeza.

Essas ponderações enaltecem ainda mais a inconstitucionalidade da medida. Nossa Magna Carta, em seus arts. 1º, inc. IV, e 170, inc. IV, estatui como valores fundamentais de nossa sociedade, e princípios norteadores da atividade econômica, a livre iniciativa e seu corolário da livre concorrência, verdadeiras cláusulas pétreas, que não podem ser modificadas sequer por emenda constitucional, quanto mais por medida provisória ou lei ordinária.

Não por outra razão, existem 03 (três) ações diretas de inconstitucionalidade tramitando no Supremo Tribunal Federal questionando a matéria (clique aqui). Não se pode descartar, em absoluto, a possibilidade de elas virem a serem julgadas procedentes, e a legislação em referência ser expurgada de nosso ordenamento.

Caso isso aconteça, como ficariam as empresas que pagaram os preços mínimos, ou que tiveram seus preços reajustados em função da nova política? Simplesmente não poderiam pedir de volta a diferença. Já as que não pagaram e se beneficiaram de valores espontaneamente cobrados a menor pelos transportadores, não correriam nem mesmo o risco de terem que indenizar a diferença.

Estamos aqui diante de mais um grande impasse que nossa legislação impõe à classe empresarial, gerando distorções concorrencais e insegurança jurídica, contribuindo para que o indesejado "custo Brasil", infelizmente, fique cada vez mais longe de ser solucionado.

 

Fonte: Eberhardt, Carrascoza & Advogados Associados. Advocacia empresarial, atuante nas áreas de direito tributário, penal tributário, societário, cível e trabalhista.


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